A distração


Um mal que assola os tempos modernos é a distração. Aqueles que estudam, por exemplo, começam a dispersar nas primeiras linhas lidas; a ter problemas de retenção de conteúdo; impaciência diante de um livro ou da perspectiva do que se tem que estudar. Isso, como pude perceber na minha própria vida e por meio dos mais variados depoimentos, assola a contemporaneidade. É como um demônio que possui o espírito daquele que busca a contemplação, impedindo-o de que o caminho até a satisfação do espírito seja trilhado. Wolfgang Smith, muito acertadamente, chama esse demônio de demônio da distração.

A distração, por si só, não é um sintoma da possessão. Ao contrário, ela é uma espécie de naturalidade humana. Entretanto, quando a distração se torna crônica, quando o homem assume uma condição passiva de recebimento de estímulos externos, assumindo-os inconscientemente como uma finalidade, ela se torna o sintoma máximo da possessão. Nesse estado, o homem é incapaz de perceber o transcendente; é incapaz de se maravilhar diante da realidade e, à medida que o tempo passa, tudo aquilo que é ordinário, que é cotidiano, torna-se absolutamente insuportável. Uma leitura, portanto, que é uma atividade monótona, sem nenhum estímulo exterior, acaba se tornando tediosa, gerando o desânimo e, muitas vezes, o abandono da leitura.

Penso que, como escreveu Nicholas Carr, a internet, repleta de estímulos audiovisuais, está moldando a maneira de pensar. Marshall McLuhan, já na década de 60, disse que as mídias, além de fornecer o material para o pensamento, também moldam o processo do pensamento, a própria maneira de pensar. Assim, nesta era em que tudo se resolve com alguns “clicks”, o jeito de pensar não sairia ileso. Um livro, que também é uma mídia, fornece material para o pensamento. Entretanto, sem estímulos e “clicks”. A mente, então, entorpecida pelo novo jeito de pensar, não encontra a satisfação necessária nos livros. O demônio da distração toma posse e as coisas começam a se deteriorar. A distração começa a assolar não só o momento de estudo, o momento de leitura, mas qualquer atividade contemplativa, qualquer atividade que remete ao transcendente e direciona o olhar ao que realmente importa.

Realmente, essa distração crônica, vista sob essa perspectiva, configura-se como uma possessão. Bom, a praxe para esse tipo de fenômeno é uma velha prática da Igreja, o exorcismo. Não quer dizer que um padre, desses de bairro e cheio de rumores sobre ele, precisa iniciar um rito. Não. Mas o simbolismo dessa prática sim. A idéia de sessões e a determinação de um rito, que, na verdade, é um hábito para transformar o jeito de pensar.

A primeira coisa a ser feita é a tomada de consciência. Perceber quando o demônio da distração está agindo. Tomar consciência é o esforço de tomar posse de si mesmo. Ela permite que alguma ação possa ser tomada e, com ela, determinar um rito de passagem.

Depois, então, é preciso determinar o rito. Bom, é claro que é necessário estabelecer horários com tempo limitado para se ter acesso aos estímulos provenientes das mídias. Seja internet, séries ou o que for. Na parte do estudo propriamente dito, antes de se sentar para estudar, convém limpar a mente das distrações. Canalizar as energias mentais para um ponto, para um centro, esquecendo-se de qualquer estímulo. Isso pode – e deve – ser feito com alguma prática de oração. Convém, também, eliminar, na hora do estudo, todo e qualquer meio que forneça estímulos sensoriais. Colocar o celular longe do campo de visão; desligar a internet se a leitura está sendo feita em algum dispositivo eletrônico que tem acesso a ela e outras medidas desse gênero são sempre bem-vindas. Depois, ao fim da leitura, rememorar o que foi lido.

Em seguida, é preciso colocar em prática o rito estabelecido. São as sessões de exorcismo. É o hábito que estabelecerá o sucesso do exorcismo. Portanto, calha tentar vigorosamente executar o rito estabelecido todo santo dia. Além disso, de quebra, o processo possibilita a aquisição da virtude da constância.

Por fim, durante a leitura, com a tomada de consciência, cada vez que a distração ocorrer, presta parar a leitura por alguns segundos e tentar rememorar o que foi lido. A memória, dessa forma, é trabalhada e as investidas do demônio surtem efeitos temporários e leves.

Assim, com o tempo e as sessões diárias, o demônio da distração será exorcizado e o pensamento adquirirá uma nova – na verdade, uma velha – forma de pensar. Uma capaz de contribuir para a verticalidade da existência humana, apta a concentrar a atenção para o transcendente. Coragem, o demônio da distração não é invencível.

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