Por um tempo, romantizei a vida intelectual. Estava ciente da vocação e, para cumpri-la, entrava em devaneios de projeções futuras. Uma casa no campo com um sofá de couro marrom numa biblioteca de uns 40 mil livros. Ali, entre uma cachimbada e outra, trabalho intelectual árduo por horas e horas.
As circunstâncias, porém, nunca foram favoráveis às minhas aventuras imaginativas. Assim, com a possibilidade remota de ter as condições para, como eu pensava, cumprir essa vocação, a consequência imediata ocorreu. Frustração, tensão interior e má desempenho nos deveres. Foi preciso maturidade para me livrar do romantismo adolescente. Ou eu era eu agora, assumindo minhas circunstâncias e vivendo a minha vocação dado elas, ou eu não seria eu amanhã. Bastava de romantismo.
Isso implicou em atitudes diversas. Ora estudando por longos períodos matutinos, ora escutando um áudio a caminho do trabalho. Algumas vezes lendo a cada intervalo disponível, outras enquanto se vela o sono da filha. Outras ainda, perdendo o sono, acordando às 04h30 da manhã para poder cumprir a vocação. Ou, ainda, aproveitando o passeio fotográfico com a esposa.
A lição aprendida foi a de Ortega y Gasset, “Eu sou eu e minha circunstância”. Com a ciência de que sou uma unidade. O homem que tem vida intelectual é o mesmo que tem vida espiritual, profissional e familiar. Se algo vai mal, todo o edifício desmorona.
Eu sou eu e minhas circunstâncias. Eu e minhas circunstâncias.