É impressionante, e também muito simbólico, que o primeiro livro da Bíblia, Gênesis, contenha as palavras “tu és pó e ao pó tornarás”. De fato, tornaremos ao pó. Quando retiramos a presença de Deus, o transcendente, o que resta, porém, é somente isso. Pó. Tudo é pó. Não há uma coisa sob o céu que não padeça desse destino. Um caminho, às vezes longo, outras vezes curto, de queda, de declínio, de deformação.
Nessa perspectiva, quando o olhar volta-se ao homem, só resta uma conclusão: o absurdo. A consequência antropológica é a absurdidade. O homem é nada. É um cadáver adiado, como escreveu Fernando Pessoa. Cada passo dado é um passo em direção ao abismo. Por mais que ele atribua um sentido à sua queda, ela continua sendo uma queda. Por mais nobre que seja esse sentido, a nobreza não retira o homem de seu declínio. Tudo é pó. O homem é pó. Essas conclusões são inevitáveis. Nietzsche concluiu isso. Sartre concluiu isso. Camus concluiu isso. Até mesmo o infantil neoateísmo cientificista concluiu isso. A vida, então, torna-se um fardo que encurva o homem até o seu retorno ao pó. Nenhuma ação humana, assim, tem sentido objetivo. Tudo é um absurdo. Um profundo, cômico e sádico absurdo. A ciência disso, acrescida de honestidade biográfica e intelectual, não deixa escapar a conclusão de que a vida é um fardo.
Quando, porém, acrescentamos transcendência, há uma mudança antropológica. O retorno ao pó ainda é real. Porém, dessa vez, já não é somente uma trajetória de queda. Pode ser uma trajetória de triunfo. Saímos da certeza ateia e entramos na possibilidade teísta. Agora, a trajetória pode ter diferente destinos. É o universo das possibilidades. O homem deixa de SER um cadáver adiado para TALVEZ sê-lo. Já não há mais absurdo, há sentido. Ao menos, pode-se buscar o sentido. Um sentido objetivo, real, mais vívido que a sua própria existência. Com muita textura e que preenche o vazio narrativo. Evidentemente, o acréscimo de transcendência não retira os possíveis fardos de uma biografia, mas o retira da existência. Agora, por mais horrendo e insuportável que possa ser o sofrimento – como carregar uma cruz, ser vilipendiado, ofendido, agredido e crucificado -, ele transforma-se em trono de realeza e triunfo. A transcendência permite que esperemos o inesperado. Da queda ao pó a um renascimento glorioso.
Em Eclesiastes, a realidade de que tudo é pó se faz presente novamente. Dessa vez, porém, acompanhada, de que “tudo é vaidade. Vaidade das vaidades”. Aqui, temos a certeza de que somente a humildade transformará as cinzas do esquecimento. Se penso que o meu retorno ao pó é um triunfo certo, estou dominado pela vaidade e, portanto, adquiro uma queda certa. Portanto, a ciência de que somos nada deve ser aquecida na memória com frequência. O lema recorrente é “tudo é pó”.