Três para conhecer


A primeira experiência humana, através dos sentidos, é a da existência da realidade externa. Uma saída do universo solipsista, i.e., existe algo fora de mim. Com ela, vem a curiosidade. A vontade de saber. Como disse Aristóteles, o homem é um animal que, por natureza, deseja conhecer. Veja bem, por natureza! Isso significa que realizar essa tarefa é cumprir uma finalidade. No entanto, é preciso esforço e constância. Um trabalho intelectual. Felizmente, existe uma trindade que suaviza a labuta. Uma tríplice que estrutura o pensamento e fornece meios adequados para conhecer. E não tem nada a ver com o sistema de ensino, erroneamente chamado de “sistema educacional”. Na década de 70, Ivan lllich, filósofo jesuíta austríaco, propôs uma sociedade sem escola. Para Illich, o sistema de ensino vigente na época não tinha a educação como objetivo, mas antes uma distribuição social, funcional, através da emissão de certificados e diplomas. As coisas ainda são assim. Ademais, as mazelas e consequências das metodologias aplicadas são evidentes. Erros crassos de raciocínio dedutivo e indutivo, erros de gramática, mau uso, quando usada!, da retórica etc. O seu triunfo, porém, está em distanciar o “educado” do real. Em dificultar a realização daquilo que o homem é. O fenômeno da falta de percepção que, com frequência, vem acompanhado de uma despreocupação com a verdade, ou pelo menos com o conhecimento da verdade. Quase todas as metodologias aplicadas nas escolas, enfadonhas e destrutivas, induzem o aluno a “conhecer” de maneira passiva – quase sempre conhecimentos formulados nos meios universitários e, de maneira panfletária, divulgados pelos meios jornalísticos – sem a devida confrontação com o real ou a análise racional. O que fazer?

Três para conhecer. Gramática, lógica e retórica. A educação clássica, com o Trivium, na contramão do sistema de ensino, educa em direção ao real, isto é, conduz o sujeito para fora, fazendo jus à origem latina da palavra educar, ex ducare. Faz o aluno buscar preencher a sua existência. Educar através dela pode indicar os primeiros sinais de recuperação de uma sociedade que está perdendo os seus sinais vitais. Essa é a educação responsável pela edificação de homens dos tempos de glória do pensamento. Homens que, com uma maestria que me inveja, perceberam a realidade com profundidade. Desde os berços de sua formação, ainda na Grécia antiga com a Paideia, essas disciplinas foram responsáveis por Arquimedes, Dante Alighieri, Leonardo Da Vinci, Isaac Newton, Cristóvão Colombo, William Shakespeare, Alex de Tocqueville, Jane Austen, Thomas Jefferson, Marie Curie, Winston Churchill, Albert Einstein e tantos outros. Todos os cientistas até, pelo menos, Charles Darwin foram educados pelas artes liberais. Eu diria, inclusive, que o surgimento da própria ciência experimental só foi possível devido à educação clássica e o seu sentido de exterioridade (ex ducare), afinal, se o homem não sai de si mesmo em direção a uma realidade externa que busca conhecer, como seria possível a ciência? Ela é a responsável pelo auge do pensar, a escolástica – comparada por Erwin Panofsky às Catedrais Góticas -, tendo como representantes máximos Santo Tomás de Aquino e Duns Escoto.

Esta tríade é interconectada. Como os três vértices de um triângulo, assim são essas ciências. A gramática possibilita a articulação interna do ato de conhecer, a lógica valida e analisa a argumentação formulada e a estrutura do próprio pensar, já a retórica articula, por meio da língua e da lógica, e comunica para si mesmo e para os outros (de maneira escrita, pensada ou falada). Ela é eficiente porque ela é inerente à atividade do conhecimento. E como o intelecto opera? Por exemplo, para a mente abstrair o conceito de árvore, ela, através da experiência sensível, formula imagens particulares de árvores extraídas da realidade. Assim, abstrai e captura um universal partilhado por todas as espécimes de árvores. Eis aí o conceito de árvore. Para se referir a ele, então, utiliza um termo (um signo), que, em geral, é uma convenção linguística. Nesse caso, o termo é “árvore”. Ao se invocá-lo, toda a gente sabe a que conceito ele se refere. Pois bem, nessa atividade, gramática, lógica e retórica estão presentes. A gramática possibilitou a formulação e a percepção do que foi dito. A lógica evidenciou a estrutura do pensamento e o validou. A retórica apresentou o argumento, para mim e para quem lê. Tudo concomitante. Uma unidade triangular (a propósito, um ótimo exercício é meditar sobre o conceito de triângulo: a triangularidade).

Portanto, meus caros, três para conhecer. Penso eu que no autodidatismo se encontra uma das estratégias de ação para se livrar do processo de destruição da inteligência realizado pelo sistema de ensino. É no autodidatismo que, por enquanto, o homem cumprirá a sua vocação natural de conhecer. Em um mundo onde, com frequência, recebemos “saberes” de maneira passiva, a inteligência fica aprisionada e não se liberta se não tivermos uma postura ativa, uma postura autodidata. Tornar-se autodidata, então, acaba sendo uma ação de liberdade. Liberdade intelectual. Isso não significa, é claro, que devemos tentar descobrir tudo a respeito da realidade sozinhos. Não. Podemos, devemos!, nos apoiar nos ombros de pessoas que, graças a Deus!, já transformaram em jardins muitas matas selvagens. Essa atividade, é claro, deve, antes e durante, ser estruturada com o Trivium. Caso contrário, torna-se um exercício desordenado em busca da liberdade intelectual que, ao invés de libertar, continua aprisionando. Talvez de maneira mais nociva que a atividade passiva.


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