A vida irrefletida


No diálogo Hípias Maior de Platão, já no começo, Hípias, ao ser interrogado por Sócrates sobre a o que é o Belo, desvia a resposta para o que é belo. Ou seja, responde transferindo a forma para a matéria informada. Sócrates, coitado, buscava a essência do Belo, mas interrogou o homem errado.

O que mais me chamou a atenção nesse diálogo, porém, foi a reação de Sócrates à última investida de Hípias, que tenta persuadi-lo de que essas questões sobre as essências são irrelevantes e de que a arte do convencimento é o que é grandioso. Sócrates, homem consciente do seu compromisso, então, responde: “de que modo posso saber se um discurso está bem ou mal composto se não sei nem o que seja o Belo? E, sendo assim, como posso achar que, para mim, é melhor viver do que morrer?”

Isto é, como posso viver uma vida irrefletida? É inconcebível. Aristóteles já captou a natureza do homem em uma definição. O homem é um animal racional. Assim, pensar, raciocinar, refletir sobre as coisas é cumprir a própria natureza humana. Como pode alguém viver sem pensar sobre o Estado? Antropologia? O Belo? O Bem? Ou o que for. Como pode?

Eu não sei. Pois, para mim, viver é refletir. Se não reflito, não vivo. Não consigo conceber a conformidade da sociedade com os Hípias dos nossos tempos. A reflexão sincera, como expressada nas Confissões de Santo Agostinho, por exemplo, é a chama que aquece uma alma e a coloca diante do que realmente importa. Certamente, não é a arte do convencimento, mas o amor incondicional à Verdade. Amor vibrante, de homens com peito e coração de carne.

Essa reflexão pode ser feita com qualquer ocasião. Qualquer. Há uns dias, minha esposa me mostrou um vídeo de um piloto que estava com um colega em um avião pequeno. O colega estava sentado atrás do piloto e filmando tudo. O piloto, então, fingiu um desmaio e colocou o avião em uma espécie de queda. Obviamente, o colega ficou desesperado e começou a gritar. Na hora, ri, como toda pessoa normal faria. Mas imediatamente após os risos, comecei a refletir sobre simbolismo e como o humor é uma atividade intrinsecamente humana. Nesse momento, percebi que estava vivo.

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