Fazer uma reflexão acerca do sofrimento, especialmente para aqueles que, por questões temperamentais, como eu, um melancólico por excelência, possuem uma inclinação à reflexão, é necessário ou até mesmo inevitável. Se o que causa essa reflexão não for uma circunstância da própria vida daquele que reflete, será a circunstância da vida do outro. Não há escapatória. O peso do sofrimento arrebate todo aquele que vive. Além da reflexão ser inevitável, é também inevitável a consequência dela, isto é, a pergunta: Por que sofremos?
Para alguns tipos de sofrimento, a resposta é simples. Livre arbítrio. No entanto, diante de outros tipos de sofrimento, essa resposta não é suficiente. O sofrimento causado, por exemplo, por uma catástrofe natural, que desola o coração de quem experiencia, não pode ser respondido pelo livre arbítrio. O sofrimento causado pela perda, completamente inesperada, de um ente querido também não. Ou aquele causado pela vinda inesperada de uma doença. E tantos outros. Quando enfrentam esse tipo de sofrimento, alguns são levados a abandonar a fé em Deus porque não conseguem conceber um Deus onipotente com a existência do sofrimento. Outros, porém, voltam-se a Deus. E voltam-se com fervor. Chegam até a se converter.
Na busca por uma resposta, há um tempo, li O Problema do Sofrimento, de C.S. Lewis, e, com a maestria argumentativa própria dele, diante de uma humanidade caída, convenci-me intelectualmente de que não há desarmonia entre a existência de um Deus onipotente e a do sofrimento. Em seguida, ao ler, do mesmo autor, A Anatomia de uma Dor, percebi que o conhecimento de que não há a desarmonia não elimina, de forma alguma, o fato, algumas vezes insuportável, de que sofremos e o próprio sentimento da dor. Às vezes, a dor é tão palpável, mas tão palpável que nos desesperamos pensando que não conseguiremos suportá-la. Um desespero agonizante. Nos coloca de joelhos. Quando eu li a magnífica carta encíclica de São João Paulo II, Salvifici Doloris, caíram as escamas dos meus olhos. Salvação e sofrimento. Eis a resposta. O sofrimento tem um caráter corredentor. Deixamos de olhar para dentro e olhamos para fora. Todo o meu sofrimento pode ser coparticipativo no projeto salvífico. Diante disso, concluí que a questão do sofrimento não se reduz ao porquê de sua existência, mas antes em uma aceitação, muitas vezes revoltante e nada fácil, de tamanho mistério para responder ao para que sofremos. O sofrimento é um mistério. Um grande mistério. Um mergulho no Ser. Mais ainda, a pergunta sobre o sofrimento só adquire sentido nesse contexto cristão. Fora dele, não faz nem sentido perguntar. É nada. É suicídio. É negação. É náusea. É Sartre. É Nietzsche. É desespero…
Cristo, Deus encarnado, sofreu. E muito. No Horto das Oliveiras, antes da crucifixão, o sofrimento de Cristo, junto com a aceitação, é descrito nas palavras de agonia dele: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice; entretanto, não seja feita a minha vontade, mas o que Tu desejas!”. Já crucificado, depois de ter encontrado o beijo cortante da traição, agora prestes a encontrar o beijo frio da morte, novamente expressa o Seu sofrer: ‘Eloi, Eloi, lamá sabactani’ (Meu Deus, meu Deus, por que Me desamparaste?). Um dos ensinamentos do cristianismo é que o grande Mistério, o mistério da redenção e salvação dos homens, o ‘Evangelium’, a profunda Alegria, passa, inevitavelmente, com um ato de Amor genuíno, pelo sofrimento. A Cruz de Cristo é uma cruz de sofrimento ao mesmíssimo tempo que é uma cruz de salvação. Eis o Mistério maior que, quando devidamente penetrado no coração do homem, resolve todos os mistérios menores. Por isso, São Paulo escreveu aos cristãos de Corinto:
“Onde está o sábio? Onde o erudito? Onde o argumentador deste mundo? Acaso não declarou Deus por loucura a sabedoria deste mundo? Já que o mundo, com a sua sabedoria, não reconheceu a Deus na sabedoria divina, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura de sua mensagem. Os judeus pedem milagres, os gregos reclamam a sabedoria; mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos”.
Aceitação. Mas não uma aceitação masoquista. É evidente que não, pois isso coloca o para que do sofrimento dentro do homem que sofre e não fora dele, em direção ao outro. Elimina o efeito coparticipativo. Ademais, além de a Cruz de Cristo elevar o sofrimento humano à esfera teológica, ela também traz consolo para quem sofre. Faz-nos confiantes. Alegres com a dor. Faz-nos exclamar: a dor que salva!
3 respostas para “A dor que salva”
Texto conciso, bem escrito. Me identifiquei profundamente. Parabéns ao autor!
Gostei muito da sua linguagem, e me identifiquei muito com o assunto, acho que todos nos temos um pouco de melancolia, alguns são assumidos outros preferem disfarçar
Que texto maravilhoso! Obrigada ??