Sobre a profundidade


Progresso. A perversão moderna é por progresso. Já não acreditamos no que os antigos acreditavam porque evoluímos. Estamos em plena era da inteligência artificial, a dois passos de uma simbiose dela com a humana, e os antigos falam de mitos, de metafísica, de puro intelecto. Estamos na era da ciência e da tecnologia. Isso é o real. O que é quantificável existe. O que não é não existe. Obviamente, isso é uma ironia. Esse reducionismo sonos da realidade à categoria da quantidade é destruidor. A realidade se desmantela. Quebra-se, despedaça-se.

Todo reducionismo é a tentativa de trazer à superfície, portanto, desvendar, aquilo que é profundo. Se há algo evidente a respeito da natureza da realidade, é a sua profundidade. Há um mistério no real. Aqui, com mistério, quero dizer abundância de ser. É o ser que transborda. A saturação que impossibilita o delineamento. Já o que não tem mistério, por outro lado, é a escassez de ser. A realidade é mistério. Profundidade que lhe é intrínseca. Se retirarmos o profundo, não estamos mais no real, pois o que possui profundidade, exatamente por isso, jamais será superficial.

Existe, além disso, uma dualidade necessária. A superficialidade só se faz presente porque a profundidade a sustenta. Da mesma forma, o que é profundo só o é porque a superfície não o revela. Eis o dualismo que se encontra na estrutura da realidade. A ciência, por natureza, não supera a superfície. Já o cientificismo reduz tudo à superfície. Na verdade, toda ideologia faz exatamente isso. Retira a profundidade do real.  O gnosticismo místico, por sua vez, elimina a superfície. Em ambos os casos, não estamos mais na realidade.

A arte, essa “mimesis”, precisamente por ser assim, desnuda o real. A obra, a boa obra, apresenta a realidade em sua composição dual. Superfície e profundidade. Com a sua obra, a superfície, o artista nos guia para as profundezas. Ele nos pergunta: “Você está vendo o que eu estou vendo?” Assim, podemos concluir que uma obra de arte, uma boa obra de arte, revela muito mais a realidade do que qualquer teoria científica.

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